No âmbito do chamado “Pandora Papers”, a leitura feita pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação identifica três políticos portugueses com “segredos financeiros”, políticos que o semanário Expresso diz serem Manuel Pinho, Nuno Morais Sarmento e Vitalino Canas. São igualmente identificados outros 19 políticos lusófonos, nove em Angola, nove no Brasil e um em Moçambique.
A nova análise do consórcio (ICIJ, na sigla em inglês), chamada “Pandora Papers”, põe na praça pública os “segredos financeiros” de 35 líderes mundiais (actuais e antigos) e de mais de 330 políticos e funcionários públicos, de 91 países e territórios, entre os quais Portugal.
Segundo o jornal Expresso, que faz parte do consórcio, os três portugueses envolvidos são os antigos ministros Nuno Morais Sarmento (PSD) e Manuel Pinho (PS) e o antigo deputado socialista Vitalino Canas.
A análise efectuada pelo Expresso revela que Nuno Morais Sarmento, actualmente vice-presidente do PSD, foi o beneficiário de uma companhia “offshore” registada nas Ilhas Virgens Britânicas que serviu para comprar uma escola de mergulho e um hotel em Moçambique; Vitalino Canas teve uma procuração passada para actuar em nome de uma companhia, também registada nas Ilhas Virgens Britânicas, para abrir contas em Macau; e Manuel Pinho era o beneficiário de três companhias “offshore” e transferiu o seu dinheiro para uma delas quando quis comprar um apartamento em Nova Iorque.
Nuno Morais Sarmento, advogado, foi ministro nos governos de Durão Barroso e Santana Lopes; Vitalino Canas, advogado, foi deputado socialista entre 2002 e 2019, secretário de Estado nos governos de António Guterres e porta-voz do PS durante a liderança de José Sócrates; e Manuel Pinho, economista que foi administrador do BES, foi ministro da Economia entre 2005 e 2009, no governo de Sócrates, sendo actualmente professor na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.
Os três portugueses na lista dos “Pandora Papers” prestaram esclarecimentos ao Expresso. Morais Sarmento justifica o acesso a uma companhia “offshore” com as “limitações” aos estrangeiros existentes na altura em Moçambique, Manuel Pinho diz não ter “nenhum rendimento por declarar às autoridades fiscais seja de onde for” e Vitalino Canas assegura que o caso referido se insere na prática de advocacia “nos termos da lei portuguesa”.
No mapa da investigação do ICIJ, surgem identificados outros 19 políticos lusófonos, nove em Angola, nove no Brasil e um em Moçambique.
O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação publicou hoje um novo trabalho no qual revela que 14 líderes mundiais no activo esconderam fortunas de milhares de milhões de dólares para não pagarem impostos.
A este número juntam-se 21 líderes que já não estão no poder e que também ocultaram propriedades e rendimentos.
Entre os nomes referidos na investigação estão o rei Abdallah II da Jordânia, os Presidentes de Ucrânia, Quénia e Equador, o primeiro-ministro da República Checa e mais de 130 bilionários (mencionados pela revista Forbes) de países como Rússia, Estados Unidos e Turquia, bem como celebridades, líderes religiosos, membros de famílias reais ou traficantes de droga e bandidos profissionais.
A análise revela “os mecanismos interiores de uma economia subterrânea que beneficia os mais ricos e influentes, à custa de todos os outros”.
A análise denuncia que “muitos dos poderosos agentes que podiam ajudar a acabar com o sistema de paraísos fiscais estão, ao contrário, a beneficiar dele – escondendo activos em companhias e fundos de fachada, enquanto os seus governos pouco fazem para abrandar o fluxo global de dinheiro ilícito que enriquece criminosos e empobrece nações”.
O ICIJ – que em 2016 publicou os “Panama Papers”, sobre paraísos financeiros – diz ter baseado esta nova divulgação numa “fuga sem precedentes”, envolvendo cerca de dois milhões de documentos, trabalhados por 600 jornalistas, a “maior parceria da história do jornalismo”. Jornalistas, tecnologia e tempo foi o trio necessário para analisar os milhões de documentos, durante mais de um ano.
Os “Pandora Papers” desvendam ainda novos detalhes sobre importantes doadores estrangeiros do Partido Conservador do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e detalham actividades financeiras questionáveis do “ministro oficioso de propaganda” do presidente russo, Vladimir Putin.
O círculo próximo do primeiro-ministro do Paquistão, Imran Khan, é denunciado por ter escondido milhões de dólares em empresas e entidades externas. E o presidente queniano, Uhuru Kenyatta, bem como seis familiares, é denunciado por deter, em segredo, pelo menos 11 empresas no estrangeiro, uma das quais avaliada em 30 milhões de dólares.
Já no mundo artístico e da moda, o destaque vai para a cantora Shakira e a antiga modelo Claudia Schiffer, também apanhadas nos “Pandora Papers”.
Recorrer a uma sociedade “offshore” é legal, desde que seja declarado às autoridades fiscais no país em que se reside. Estas sociedades têm a vantagem da baixa tributação, do anonimato e da ausência de registos de contas ou de beneficiários reais das jurisdições onde estão registadas. Aos olhos das autoridades, o problema é o que se oculta com elas.
Segundo cálculos da Comissão Europeia, citados pelo El País, só na União Europeia desvia-se através destes veículos o equivalente a 10% do Produto Interno Bruto europeu. Bruxelas cifra em 46.000 milhões de euros os impostos perdidos anualmente.
Para quando o “MPLA Papers” ou o “MPLA Leaks”?
O coordenador das parcerias em África e no Médio Oriente do Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ), Will Fitzgibbon, considerou no dia 7 de Dezembro de 2020 que, apesar das consequências da investigação ‘Luanda Leaks’, os problemas em Angola continuam por resolver. Quando todos pensavam que, por milagre, os jacarés passariam a ser vegetarianos…
“Raramente um bilionário caiu tanto e tão depressa; mas em Angola e noutras partes do mundo, os males sistémicos que a investigação ‘Luanda Leaks’ trouxe para a ribalta – corrupção, a saída de riqueza para centros ‘offshore’ e uma indústria de dinheiro sujo que cria e acelera o roubo de nações inteiras – continua largamente por resolver”, lê-se num texto hoje assinado por Will Fitzgibbon.
Quase um ano depois da revelação de documentos que lhes caíram no colo, a divulgação jornalística conhecida por ‘Luanda Leaks’, e que incidiu principalmente (sem que quase ninguém tivesse estranhado) sobre os negócios da empresária Isabel dos Santos em Angola, o ICIJ relembrou os principais acontecimentos dos últimos 12 meses e usou as palavras da activista Laura Macedo para concluir que “os ‘Luanda Leaks’ foram uma lufada de ar fresco que entraram pela janela”. É pena que se esqueçam que Angola é uma casa sem janelas, em muitos casos até mesmo sem… paredes.
Apesar disso, o coordenador do ICIJ para África elogiou, na altura, João Lourenço (pudera!) por ter agido rapidamente do ponto de vista judicial contra antigos responsáveis do Governo anterior, mas lamentou que seja “menos receptivo ao auto-exame”. E que tal alguém perguntar ao ICIJ se nos documento que recebeu, como agora nos “pandora Papers”, não constam sobejas informações e provas relativas a João Lourenço, então vice-presidente do MPLA e ministro da Defesa do pai de Isabel dos Santos, José Eduardo dos Santos?
No texto colocado no dia 7 de Dezembro de2020 na página do ICIJ, o jornalista Will Fitzgibbon cita ainda a directora da Transparência Internacional em Portugal para sustentar que ainda há muito por resolver, e não só em Angola. Isto, é claro se alguém tiver coragem de, como fez o Folha 8, dizer que quem viu roubar, ajudou a roubar e beneficiou do roubo é… ladrão.